Quiche é uma das delícias do cardápio da chef Jéssica Pereira
A jovem com Síndrome de Down foi recusada em várias escolas e nunca conseguiu concluir a Educação Básica. Mesmo assim, tornou-se chef de cozinha.
Em
um bairro residencial do centro de São Paulo, o Cambuci, uma porta
discreta e uma mini lousa dão as boas vindas aos clientes: “Hoje tem
fatia de bolo de milho”. Preparado por Jéssica Pereira, de 25 anos, uma
das donas do estabelecimento, o quitute é tão gostoso quanto o clima
familiar dentro do Bellatucci Café, inaugurado em 15 de julho deste ano.
Todos
os detalhes foram pensados cuidadosamente ao longo de seis meses.
Cadeiras azuis, mesas brancas e paredes cor-de-rosa fazem os clientes se
sentirem em uma casinha de boneca. No cardápio, os destaques são a
panqueca com massa de café e o nhoque de mandioquinha, que Jéssica
mostrou no programa "É de Casa", da Rede Globo.
Cafés
como esse, bem decorados e com menu de qualidade, não faltam na cidade,
mas há um detalhe no Bellatucci que o torna peculiar. A proprietária
tem Síndrome de Down e está realizando um sonho duplo: ser chef e
empreendedora.
O
negócio não é só fachada. A jovem é, de fato, uma das sócias, em
parceria com a irmã, Priscila Della Bella, e o cunhado, Douglas
Batetucci. É ela quem dá a última palavra sobre as decisões e é responsável pela cozinha.
O Bellatucci Café também abre as portas para outros jovens com Síndrome
de Down, como Cibele Andaluz, que já fez curso de barista no Senac e
hoje cuida da máquina de café do espaço. "Queremos que as pessoas venham
visitar, mas não pode estar cheio todos os dias, aquela coisa
frenética, se não vamos perder a nossa essência, que é manter o negócio
no ritmo deles", diz Ivânia Della Bella, mãe de Jéssica. A
gastronomia é um dom, aprimorado com ajuda de Ivânia e das aulas com os
renomados Henrique Fogaça, Claude Troisgros, Guga Rocha e Carlos
Bertolazzi, no Instituto Chefs Especiais, apenas uma das oito instituições educativas pelas quais Jéssica passou na vida, desde que nasceu.
Na
verdade, o caminho escolar da jovem até a maturidade e o sucesso na
carreira é não só um relato sobre a família Bella Pereira, mas também um
exemplo das dificuldades que muitas pessoas com deficiência enfrentam
no Brasil para exercer o direito de estudar.
A
jovem tem lembranças da infância na associação. “Eu pegava panelinha,
brincava de casinha”, conta, enquanto mostra fotos antigas dos momentos
na Apae. “Eles ensinavam a fazer as atividades domésticas para
desenvolver funções motoras da criança”, acrescenta Ivânia. "Era uma
espécie de pré-escola. Até que um dia a própria Apae indicou a mim e às
outras mães que procurássemos uma escola regular paralela, para que as
crianças se desenvolvessem pedagogicamente".
A importância da Apae é reconhecida pelos especialistas e movimentos que lutam pelos direitos das pessoas com deficiência. Desde
2008, entidades especializadas como essa são definidas como
complementares ou suplementares à Educação regular, e não substitutivas. Essa função é prevista na Política Nacional de Educação Especial, do Ministério da Educação (MEC).
A ideia é que elas funcionem no contra-turno, com atendimento de saúde e
capacitação profissional, mas não que façam as vezes da escola de
Educação Básica.
Os nãos
Era
fim dos anos 1990 quando a mãe de Jéssica ouviu pela primeira vez: “A
inclusão chegou!”. Mas não foi esse o sentimento da família depois de
bater à porta de várias escolas. As razões para recusar uma criança com
deficiência intelectual iam da ausência de espaço e de funcionários
capacitados até o medo de afastar as outras famílias. "Era
um momento ainda muito crítico no Brasil para as pessoas com
deficiência e suas famílias. Mas preferimos ouvir 'não' do que
matricular a Jéssica em escolas que estivessem despreparadas. Pelo
menos, [as escolas] foram sinceras conosco", lembra a mãe.
Na época, a legislação já
obrigava as instituições de ensino regulares a aceitar matrículas de
pessoas com deficiência e criminalizava as que se negassem, mas previa a
“justa causa”: ou seja, com algum argumento, as escolas poderiam dizer
não. Somente em 2015, 26 anos após a primeira lei, foi feita uma
alteração revogando a possibilidade de recusa. Atualmente, negar a
inscrição de uma criança com deficiência e a cobrança de taxas extras
são crimes com pena de multa e reclusão de dois a cinco anos.
No
entanto, o primeiro "sim" trouxe pouco alívio. A resposta positiva veio
da escola em que estudavam os dois filhos mais velhos da família,
Priscila e Nelson. "O Colégio Maria Imaculada era bom e a diretora
aceitou a Jéssica. Seria a primeira aluna com Down acolhida ali. Mas eu
fiquei receosa, porque ele era muito grande e longe de casa. Além disso,
a Jéssica ainda se comunicava mal, falava pouco, apenas apontava.
Resolvemos procurar mais um pouco", conta a mãe.
A primeira escola regular
Foi
depois de mais um "não" que uma diretora de uma escola regular indicou
aos pais de Jéssica o CEB, colégio próximo à casa da família, no bairro
da Saúde, zona sul de São Paulo. Lá, segundo a gestora, já estudava um
aluno com deficiência e, portanto, tinham alguma experiência. Não havia, porém, nenhuma especialização em atender crianças com Síndrome de Down.
Mesmo
assim, os pais resolveram matricular a filha na escola, que hoje não
existe mais. Para facilitar a logística e a adaptação da caçula, a
família resolveu mudar também os dois filhos mais velhos para o novo
colégio. Priscila iria para a quinta série, Nelson para a terceira e
Jéssica, para o Jardim de Infância.
Jéssica e os irmãos Priscila e Nelson, no CEB, primeiro colégio regular onde estudou
"Era
bem gostoso para ela, que fez muitas amizades. A equipe escolar tinha
um grande carinho por todos nós, mas, infelizmente, não tinha preparo
técnico. Não eram profissionais especializados. O pedagógico era bem
falho", conta Ivânia.
A
inquietação aumentou quando veio a primeira série. A carga horária era
puxada e a menina se interessava pouco. Dormia na aula ou saía da sala
para ajudar a tia da cantina a vender cachorro-quente. "Por falta de
informação, tirei ela de lá e, em vez de procurar outra escola, deixamos
a Jéssica só na Apae até os 14 anos”, conta Ivânia.
Metade escola, metade curso
Quatro
anos depois de sair do CEB, Jéssica voltou à escola. A preocupação dos
pais tinha aumentado porque eles sentiam a filha muito defasada em
comparação aos colegas da mesma idade. “Com 15 anos, alguns meninos com
Síndrome de Down já sabem ler, mas minha filha ainda estava aprendendo a
contar de um a dez”, diz a mãe.
Dessa
vez, a família optou por uma escola conhecida por dar maior atenção às
crianças com deficiência. “Em 2006, com a internet, já conseguíamos
fazer pesquisas mais certeiras, sem precisar depender do boca a boca.
Escolhemos o Colégio Paulicéia”, conta. Para ingressar, Jéssica fez uma
triagem e foi indicada ao Programa de Trabalho Integrado (PTI), no qual a
jovem ficaria dois dias por semana em oficinas profissionalizantes e
três em aulas com currículo semelhante ao de escolas regulares.
A
experiência fez com que Jéssica se desenvolvesse bastante, mas havia
algumas frustrações. Primeiro, porque como a escola não oferecia ensino
regular, não fornecia diploma. Segundo, porque na rotina, inclusive nas aulas
do PTI, Jéssica ficava sempre com atividades simples de cozinha, como
lavar alface. “Isso eu já sabia. Queria aprender mais, fazer comida”,
diz ela.
Mais uma vez, Ivânia e o marido se viram obrigados a mudar a filha de escola.
A
família descobriu, então, a Associação para Desenvolvimento Integral, a
ADID. Depois de fazer uma avaliação, Jéssica foi colocada na quarta
série, mas, logo, as atividades começaram a ficar muito puxadas.
"Enquanto estavam na separação de sílabas, artigos, plural, ela gostava e
acompanhava. Quando começaram os pronomes, preposições, começou a se
enrolar. Deixamos a ADID e fomos procurar outros cursos”, conta Ivana.
Depois
da última experiência em escola regular, Jéssica fez curso de
cabeleireira, entrou no Kumon, onde estuda até hoje, e cursos no
Instituto Chefs Especiais, escola de gastronomia para pessoas com
Síndrome de Down. Foi dessa experiência que surgiu o sonho de abrir um
café. Ela
também faz aulas de luta, zumba e teatro, que a ajudaram a deixar a
timidez de lado e dão incentivo para um outro sonho: “Fazer uma novela
com o Mateus Solano", conta Jéssica.
Jéssica, a família e Cibele, a barista do Bellatucci Café
Um caso em milhares
Jéssica
é uma das 300 mil pessoas com Síndrome de Down no Brasil, segundo dados
do Movimento Down. E, na década de 1990, apesar de tudo, passou por
menos dificuldades do que alguém com deficiência intelectual anos antes.
“Sabemos que antigamente as famílias não levavam seus filhos para a
rua, não tinham acesso à escola. O estigma era muito grande”, conta o
pai, Carlos.
Ainda
assim, há um longo caminho pela frente. Na avaliação de Gonzalo Lopes,
advogado da Comissão de Defesa da Pessoa com Deficiência do Conselho
Federal da OAB, apesar da
legislação, a escola ainda precisa aprender a identificar e desenvolver
o potencial de cada aluno, independentemente da deficiência, o que
torna casos como o de Jéssica comuns no Brasil. Para
ele, os cursos profissionalizantes são importantíssimos, mas não devem
ocupar o espaço que deveria ser da Educação Básica. "A formação técnica
tem que ser uma opção, e não o único caminho possível”, diz Gonzalo, que
também foi diretor de escola por cinco anos e é professor de geografia
há 15.
Todas
essas experiências em cursos profissionalizantes proporcionaram
oportunidades importantes, como o estágio em uma rede de farmácias e a
proposta de trabalho no salão de beleza Jacque Janine. Mas as
consequências da exclusão da Educação Básica permanecem. Jéssica ainda
não é plenamente alfabetizada. E, sem diploma, fica impedida de cursar a
faculdade de gastronomia que tanto deseja.
Agora,
a jovem quer recuperar o tempo perdido e, quem sabe, parar de guardar
os sonhos que foram adiados por um país que ainda aprende a incluir.
Serviço:
Bellatucci Café – Rua Hermínio Lemos, 372 – Cambuci, São Paulo, SP
Tel: (11) 3208-1127
Seg a sex das 08h às 18h. Sábados das 09h às 14h. Aos domingos, funcionamento em datas comemorativas ou eventos especiais.
facebook.com/bellatuccicafe
Bellatucci Café – Rua Hermínio Lemos, 372 – Cambuci, São Paulo, SP
Tel: (11) 3208-1127
Seg a sex das 08h às 18h. Sábados das 09h às 14h. Aos domingos, funcionamento em datas comemorativas ou eventos especiais.
facebook.com/bellatuccicafe
Quiche é uma das delícias do cardápio da chef Jéssica Pereira
A jovem com Síndrome de Down foi recusada em várias escolas e nunca conseguiu concluir a Educação Básica. Mesmo assim, tornou-se chef de cozinha.
Em
um bairro residencial do centro de São Paulo, o Cambuci, uma porta
discreta e uma mini lousa dão as boas vindas aos clientes: “Hoje tem
fatia de bolo de milho”. Preparado por Jéssica Pereira, de 25 anos, uma
das donas do estabelecimento, o quitute é tão gostoso quanto o clima
familiar dentro do Bellatucci Café, inaugurado em 15 de julho deste ano.
Todos
os detalhes foram pensados cuidadosamente ao longo de seis meses.
Cadeiras azuis, mesas brancas e paredes cor-de-rosa fazem os clientes se
sentirem em uma casinha de boneca. No cardápio, os destaques são a
panqueca com massa de café e o nhoque de mandioquinha, que Jéssica
mostrou no programa "É de Casa", da Rede Globo.
Cafés
como esse, bem decorados e com menu de qualidade, não faltam na cidade,
mas há um detalhe no Bellatucci que o torna peculiar. A proprietária
tem Síndrome de Down e está realizando um sonho duplo: ser chef e
empreendedora.
O
negócio não é só fachada. A jovem é, de fato, uma das sócias, em
parceria com a irmã, Priscila Della Bella, e o cunhado, Douglas
Batetucci. É ela quem dá a última palavra sobre as decisões e é responsável pela cozinha.
O Bellatucci Café também abre as portas para outros jovens com Síndrome
de Down, como Cibele Andaluz, que já fez curso de barista no Senac e
hoje cuida da máquina de café do espaço. "Queremos que as pessoas venham
visitar, mas não pode estar cheio todos os dias, aquela coisa
frenética, se não vamos perder a nossa essência, que é manter o negócio
no ritmo deles", diz Ivânia Della Bella, mãe de Jéssica. A
gastronomia é um dom, aprimorado com ajuda de Ivânia e das aulas com os
renomados Henrique Fogaça, Claude Troisgros, Guga Rocha e Carlos
Bertolazzi, no Instituto Chefs Especiais, apenas uma das oito instituições educativas pelas quais Jéssica passou na vida, desde que nasceu.
Na
verdade, o caminho escolar da jovem até a maturidade e o sucesso na
carreira é não só um relato sobre a família Bella Pereira, mas também um
exemplo das dificuldades que muitas pessoas com deficiência enfrentam
no Brasil para exercer o direito de estudar.
A
jovem tem lembranças da infância na associação. “Eu pegava panelinha,
brincava de casinha”, conta, enquanto mostra fotos antigas dos momentos
na Apae. “Eles ensinavam a fazer as atividades domésticas para
desenvolver funções motoras da criança”, acrescenta Ivânia. "Era uma
espécie de pré-escola. Até que um dia a própria Apae indicou a mim e às
outras mães que procurássemos uma escola regular paralela, para que as
crianças se desenvolvessem pedagogicamente".
A importância da Apae é reconhecida pelos especialistas e movimentos que lutam pelos direitos das pessoas com deficiência. Desde
2008, entidades especializadas como essa são definidas como
complementares ou suplementares à Educação regular, e não substitutivas. Essa função é prevista na Política Nacional de Educação Especial, do Ministério da Educação (MEC).
A ideia é que elas funcionem no contra-turno, com atendimento de saúde e
capacitação profissional, mas não que façam as vezes da escola de
Educação Básica.
Os nãos
Era
fim dos anos 1990 quando a mãe de Jéssica ouviu pela primeira vez: “A
inclusão chegou!”. Mas não foi esse o sentimento da família depois de
bater à porta de várias escolas. As razões para recusar uma criança com
deficiência intelectual iam da ausência de espaço e de funcionários
capacitados até o medo de afastar as outras famílias. "Era
um momento ainda muito crítico no Brasil para as pessoas com
deficiência e suas famílias. Mas preferimos ouvir 'não' do que
matricular a Jéssica em escolas que estivessem despreparadas. Pelo
menos, [as escolas] foram sinceras conosco", lembra a mãe.
Na época, a legislação já
obrigava as instituições de ensino regulares a aceitar matrículas de
pessoas com deficiência e criminalizava as que se negassem, mas previa a
“justa causa”: ou seja, com algum argumento, as escolas poderiam dizer
não. Somente em 2015, 26 anos após a primeira lei, foi feita uma
alteração revogando a possibilidade de recusa. Atualmente, negar a
inscrição de uma criança com deficiência e a cobrança de taxas extras
são crimes com pena de multa e reclusão de dois a cinco anos.
No
entanto, o primeiro "sim" trouxe pouco alívio. A resposta positiva veio
da escola em que estudavam os dois filhos mais velhos da família,
Priscila e Nelson. "O Colégio Maria Imaculada era bom e a diretora
aceitou a Jéssica. Seria a primeira aluna com Down acolhida ali. Mas eu
fiquei receosa, porque ele era muito grande e longe de casa. Além disso,
a Jéssica ainda se comunicava mal, falava pouco, apenas apontava.
Resolvemos procurar mais um pouco", conta a mãe.
A primeira escola regular
Foi
depois de mais um "não" que uma diretora de uma escola regular indicou
aos pais de Jéssica o CEB, colégio próximo à casa da família, no bairro
da Saúde, zona sul de São Paulo. Lá, segundo a gestora, já estudava um
aluno com deficiência e, portanto, tinham alguma experiência. Não havia, porém, nenhuma especialização em atender crianças com Síndrome de Down.
Mesmo
assim, os pais resolveram matricular a filha na escola, que hoje não
existe mais. Para facilitar a logística e a adaptação da caçula, a
família resolveu mudar também os dois filhos mais velhos para o novo
colégio. Priscila iria para a quinta série, Nelson para a terceira e
Jéssica, para o Jardim de Infância.
Jéssica e os irmãos Priscila e Nelson, no CEB, primeiro colégio regular onde estudou
"Era
bem gostoso para ela, que fez muitas amizades. A equipe escolar tinha
um grande carinho por todos nós, mas, infelizmente, não tinha preparo
técnico. Não eram profissionais especializados. O pedagógico era bem
falho", conta Ivânia.
A
inquietação aumentou quando veio a primeira série. A carga horária era
puxada e a menina se interessava pouco. Dormia na aula ou saía da sala
para ajudar a tia da cantina a vender cachorro-quente. "Por falta de
informação, tirei ela de lá e, em vez de procurar outra escola, deixamos
a Jéssica só na Apae até os 14 anos”, conta Ivânia.
Metade escola, metade curso
Quatro
anos depois de sair do CEB, Jéssica voltou à escola. A preocupação dos
pais tinha aumentado porque eles sentiam a filha muito defasada em
comparação aos colegas da mesma idade. “Com 15 anos, alguns meninos com
Síndrome de Down já sabem ler, mas minha filha ainda estava aprendendo a
contar de um a dez”, diz a mãe.
Dessa
vez, a família optou por uma escola conhecida por dar maior atenção às
crianças com deficiência. “Em 2006, com a internet, já conseguíamos
fazer pesquisas mais certeiras, sem precisar depender do boca a boca.
Escolhemos o Colégio Paulicéia”, conta. Para ingressar, Jéssica fez uma
triagem e foi indicada ao Programa de Trabalho Integrado (PTI), no qual a
jovem ficaria dois dias por semana em oficinas profissionalizantes e
três em aulas com currículo semelhante ao de escolas regulares.
A
experiência fez com que Jéssica se desenvolvesse bastante, mas havia
algumas frustrações. Primeiro, porque como a escola não oferecia ensino
regular, não fornecia diploma. Segundo, porque na rotina, inclusive nas aulas
do PTI, Jéssica ficava sempre com atividades simples de cozinha, como
lavar alface. “Isso eu já sabia. Queria aprender mais, fazer comida”,
diz ela.
Mais uma vez, Ivânia e o marido se viram obrigados a mudar a filha de escola.
A
família descobriu, então, a Associação para Desenvolvimento Integral, a
ADID. Depois de fazer uma avaliação, Jéssica foi colocada na quarta
série, mas, logo, as atividades começaram a ficar muito puxadas.
"Enquanto estavam na separação de sílabas, artigos, plural, ela gostava e
acompanhava. Quando começaram os pronomes, preposições, começou a se
enrolar. Deixamos a ADID e fomos procurar outros cursos”, conta Ivana.
Depois
da última experiência em escola regular, Jéssica fez curso de
cabeleireira, entrou no Kumon, onde estuda até hoje, e cursos no
Instituto Chefs Especiais, escola de gastronomia para pessoas com
Síndrome de Down. Foi dessa experiência que surgiu o sonho de abrir um
café. Ela
também faz aulas de luta, zumba e teatro, que a ajudaram a deixar a
timidez de lado e dão incentivo para um outro sonho: “Fazer uma novela
com o Mateus Solano", conta Jéssica.
Jéssica, a família e Cibele, a barista do Bellatucci Café
Um caso em milhares
Jéssica
é uma das 300 mil pessoas com Síndrome de Down no Brasil, segundo dados
do Movimento Down. E, na década de 1990, apesar de tudo, passou por
menos dificuldades do que alguém com deficiência intelectual anos antes.
“Sabemos que antigamente as famílias não levavam seus filhos para a
rua, não tinham acesso à escola. O estigma era muito grande”, conta o
pai, Carlos.
Ainda
assim, há um longo caminho pela frente. Na avaliação de Gonzalo Lopes,
advogado da Comissão de Defesa da Pessoa com Deficiência do Conselho
Federal da OAB, apesar da
legislação, a escola ainda precisa aprender a identificar e desenvolver
o potencial de cada aluno, independentemente da deficiência, o que
torna casos como o de Jéssica comuns no Brasil. Para
ele, os cursos profissionalizantes são importantíssimos, mas não devem
ocupar o espaço que deveria ser da Educação Básica. "A formação técnica
tem que ser uma opção, e não o único caminho possível”, diz Gonzalo, que
também foi diretor de escola por cinco anos e é professor de geografia
há 15.
Todas
essas experiências em cursos profissionalizantes proporcionaram
oportunidades importantes, como o estágio em uma rede de farmácias e a
proposta de trabalho no salão de beleza Jacque Janine. Mas as
consequências da exclusão da Educação Básica permanecem. Jéssica ainda
não é plenamente alfabetizada. E, sem diploma, fica impedida de cursar a
faculdade de gastronomia que tanto deseja.
Agora,
a jovem quer recuperar o tempo perdido e, quem sabe, parar de guardar
os sonhos que foram adiados por um país que ainda aprende a incluir.
Serviço:
Bellatucci Café – Rua Hermínio Lemos, 372 – Cambuci, São Paulo, SP
Tel: (11) 3208-1127
Seg a sex das 08h às 18h. Sábados das 09h às 14h. Aos domingos, funcionamento em datas comemorativas ou eventos especiais.
facebook.com/bellatuccicafe
Bellatucci Café – Rua Hermínio Lemos, 372 – Cambuci, São Paulo, SP
Tel: (11) 3208-1127
Seg a sex das 08h às 18h. Sábados das 09h às 14h. Aos domingos, funcionamento em datas comemorativas ou eventos especiais.
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