Mulher, baiana, brasileira e santa: a empatia por trás de Irmã Dulce


Os raros momentos de descanso aconteciam nas tardes de domingo. Era nesses dias que, ainda noviça, Irmã Dulce carregava o rádio de pilha e rumava para as areias da praia da Penha. Mas depois da década de 1960, com o crescimento da obra social, isso foi ficando cada vez mais difícil. 
Mesmo assim, os domingos eram especiais. Na televisão, via Os Trapalhões. No rádio, ouvia, repetidas vezes, a canção Jovens Tardes de Domingo, de Roberto Carlos. Como na música, dizia sentir saudades dos velhos tempos – dos domingos de diversão na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, em São Cristóvão (SE), ao lado da boneca Celica, que ganhou da avó aos 4 anos. Dulce se via na música. 
Para quem não conhecia a intimidade da freira, talvez seja difícil imaginar essa cena. Mas, de fato, a mulher que ria com Renato Aragão era a mesma que deu início a um dos maiores hospitais filantrópicos do Brasil usando um galinheiro do convento onde vivia. 
A freira que amava quiabada e se escondia atrás da porta para não ser vista comendo bolinho de estudante (acreditava estar cometendo o pecado da gula) era a mesma que – como narram os mais antigos – foi mais ovacionada que o Papa João Paulo II, em sua primeira visita à Bahia. A religiosa que chegou a ser evitada por pequenos empresários de tanto que pedia doações para as obras era também aquela que tinha o telefone direto do então presidente José Sarney. Chamava o número exclusivo do político de “telefone vermelho”. 
Vaticano anunciou, na terça-feira (14), que Irmã Dulce será oficialmente proclamada santa. Só que, bem antes de passar por todo o processo de canonização, Irmã Dulce foi uma mulher – soteropolitana, nascida na Rua São José de Baixo, no Barbalho, no meio de uma família rica, filha de um cirurgião-dentista, neta de um político advogado. 
Só que, ao contrário do que os estereótipos podiam prever, ela deixou tudo para viver uma vida dedicada a outras pessoas. Não queria que existissem sofredores. E, ao mesmo tempo, não tinha um único momento em que não se colocasse no lugar de quem sofria. 
“É o que a gente chama de empatia, e que, hoje, a gente vê cada vez menos no ser humano. É fácil falar ‘ah, estou com pena’. Mas você sentir a dor pelo outro é uma das maiores lições dela, na minha opinião”, diz a superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), Maria Rita Lopes Pontes. 
Sobrinha de Irmã Dulce e nomeada com o nome de batismo da tia, Maria Rita foi escolhida pela religiosa como sua sucessora. A decisão veio como praticamente tudo na vida de Dulce: no início, Maria Rita relutava, mas a Irmã não aceitava não de ninguém. Insistia, pedia de novo e de novo, até ser atendida. 
Não aceitava não
Podia ser quem fosse. Dos pequenos empresários da Cidade Baixa, a quem diariamente pedia doações para as obras, aos presidentes da República, ela não se fazia de rogada. Em 1947, o presidente Eurico Gaspar Dutra visitava o Bonfim quando deparou com Irmã Dulce, acompanhada por uma barreira de meninos, se colocou na frente de sua comitiva. O presidente mandou parar o carro para ouvir um pedido sem rodeios. 
“Meu avôzinho, preciso de oito milhões de cruzeiros para terminar o meu trabalho”, disse, referindo-se às obras do Círculo Operário, inaugurado no ano seguinte.
Resultado? Gaspar Dutra autorizou a ajuda federal para a inauguração do círculo, que oferecia serviços médicos, dentários e de farmácia, além de cursos, à população mais carente de Salvador. 
Quem conviveu com Irmã Dulce não tem dúvidas: ela não tinha constrangimento algum em pedir e aporrinhava até conseguir. A freira sabia que a obra social sobrevivia de doações. “Ela não tinha nenhuma inibição em pedir para as pessoas. Era uma pedinte, realmente, porque não tinha nenhuma verba. Não tinha nada”, lembra o presidente do Conselho de Administração das Osid e da Fundação Irmã Dulce, Ângelo Calmon de Sá. 
Escolhido por ela para presidir o conselho da Osid, o ex-ministro conviveu com a religiosa por 12 anos. Irmã Dulce tinha o costume de percorrer todo o hospital duas vezes por dia, para detectar eventuais problemas. Assim, as ligações dela para Calmon de Sá tinham um aspecto parecido. 
“Irmão, preciso que você me mande uma auditoria. Acho que tem algo errado no almoxarifado”, anunciava a irmã. Quando o presidente do conselho ia olhar a fundo, de fato, o problema existia. “Ela me dava agendas e ia me cobrar”, diz Calmon de Sá.
Em outros momentos, a situação se invertia. Era ele quem chegava para dizer que havia algum problema na obra. Em todas as vezes, a resposta era a mesma.
“Ela virava e dizia: ‘olha, a obra não é sua, nem minha. A obra é lá de cima. Pode deixar que ele (Deus) vai resolver o problema’. De alguma forma, resolvia mesmo”, completa Ângelo Calmon de Sá. 
 Antes da década de 1980, essa postura insistente não era bem vista entre todos – especialmente, entre pequenos empresários de Salvador. Por alguns anos, antes de ficar conhecida nacionalmente, Irmã Dulce não era unanimidade. Até então, era vista por muita gente como uma pessoa chata. 


“Ela era chamada de ‘pidona’, que pede demais”, explica o jornalista e documentarista Valber Carvalho, que deve lançar um livro sobre a história de Irmã Dulce no segundo semestre. Durante a pesquisa do livro, que já dura seis anos e inclui entrevistas de 513 pessoas, conseguiu entender uma situação que presenciou décadas antes. 
Lá pelos 10 ou 11 anos de idade, na década de 1970, Valber tinha ido acompanhar o pai no Banco do Estado da Bahia (Baneb). De repente, começou a ver pessoas correndo, fechando portas. “Diga que não estou, diga que não estou”, era a frase que ouvia alguns funcionários do banco dizendo a outros. 
“Eu pensei: quem é que vem aí que deve ser tão ruim? Quando vi, era Irmã Dulce. Nunca consegui entender aquela cena até que, fazendo o livro, alguém me disse”,conta.
Na pesquisa, encontrou uma situação que foi marcante: Irmã Dulce entrara em uma loja de móveis e eletrodomésticos, mas foi avisada pelos vendedores que o dono não estava. 
Só que a religiosa não acreditou. Parecia mentira. Andou pela loja até que encontrou o proprietário: estava escondido embaixo da mesa. 
Simplicidade
Irmã Dulce nunca usava perfume. Não gostava de nada que atraísse atenção para si. Ainda assim, há quem diga que ela tinha um cheiro próprio: algo que lembrava jasmim, talvez lavanda. “Ela tinha o cheiro do amor, se amor tiver cheiro. Era uma coisa da pele. Era um cheiro que a gente sentia dela, que era só dela”, lembra a superintendente das Osid, Maria Rita Pontes. 
Sempre foi assim. Não escolhia tipo de sabonete, marca de pasta de dente. Mesmo as comidas preferidas vinham em um prato do tamanho de um pires. Era nas menores quantidades. A Coca-Cola, que ela tanto gostava, não era bebida em copo: usava uma colherinha, até para controlar a saúde.
Desde criança, escolhia a simplicidade.
“Para ela, nada. Para os pobres, tudo”, explica o assessor de memória e cultura das Osid, Osvaldo Gouveia.
Há 26 anos à frente do Memorial que homenageia a freira, o museólogo participou ativamente das etapas do processo de canonização. 
O museólogo Osvaldo Gouveia coordena o Memorial Irmã Dulce há 26 anos
Parte dessa atitude de Dulce vinha da própria família. Os Lopes Pontes vinham de uma longa tradição filantrópica. O avô dela, o advogado e político Manoel Lopes Pontes, ficou conhecido por ter comandado a construção do Monumento ao Dois de Julho. O que nem todo mundo sabe é que ele criou a Escola Santo Antônio, destinada a crianças carentes. 
O pai da religiosa, o cirurgião-dentista Augusto Lopes Pontes, usava um carro – uma espécie de jipe adaptado – para atender crianças e idosos que não tinham condições de pagar por uma consulta dentária, na periferia de Salvador. 
“A tradição familiar é muito forte, mas tem uma dimensão espiritual que eu não consigo alcançar. Com 12 anos, ela já transformou a casa em um abrigo para idosos e adolescentes. Começou a quebrar paradigmas quando criança”, diz Gouveia. 
Ao mesmo tempo, era uma menina que gostava de empinar arraia, jogar futebol – os relatos são de que era uma excelente centroavante – e tocar acordeão e também começava a se desenvolver como uma multiprofissional. “Ela poderia ser uma grande atleta, música, assistente social, psicóloga. Ela foi multi”, completa o assessor de memória e cultura. Mesmo assim, poucas coisas são tão associadas a Irmã Dulce quanto sua empatia. “Teve doação, paixão, mas, acima de tudo, empatia. Se teve uma pessoa que teve empatia, no mundo inteiro, foi Irmã Dulce”, define. 
Paz e respeito
De novelas, não gostava. No fim de 1988, o Brasil inteiro falava sobre a novela Vale Tudo, da TV Globo. Um mistério pautava conversas e reportagens: quem teria matado Odete Roitman, a personagem interpretada por Beatriz Segall? Naquela época, um jornalista perguntou a Irmã Dulce quem ela achava que tinha matado a grande vilã do folhetim. 
“Olhe, meu filho, eu não sei quem matou, não, mas quem matou deve pagar por esse assassinato”, respondeu a religiosa, para surpresa do repórter. O jornalista indagou, então, se ela acompanhava a novela. “Que novela?”, respondeu Dulce. 
Naquela época, a freira já ficava muito assustada com os casos de violência que eram divulgados nos jornais.
"Fico imaginando Irmã Dulce vendo tantos casos de feminicídio, de filhos matando os pais, tanta coisa nesse mundo de horror. Ela ficaria muito triste com essa situação”, analisa Maria Rita Pontes, a sobrinha e superintendente das Osid. 
Em tempos de tantos casos de intolerância religiosa, Irmã Dulce também ficou conhecida por passar uma mensagem de respeito a outras religiões. A freira teve uma amizade muito próxima com o médium Divaldo Franco, um dos maiores líderes espíritas do Brasil. Desde 1991, inclusive, há pelo menos um centro espírita que leva o nome da religiosa – o Centro Espírita Irmã Dulce, que funciona em Goiânia. 
A amizade com a ialorixá Mãe Menininha do Gantois também é conhecida. As duas costumavam se falar por telefone e ajudar uma à outra.  
“É com ternura que lembramos que o Gantois, na figura de Mãe Menininha e dos filhos da casa, recebeu a visita de Irmã Dulce, uma pessoa que distribuía amor praticando caridade. A notícia de que ela está prestes a ser canonizada, sendo considerada uma santa pelos feitos praticados, nos enche de alegria e reverência por uma alma de tal elevação. A Bahia está em festa por ver santificada uma filha da terra que, com certeza, continuará a proteger e abençoar a todos os que a ela invocarem”, afirmou a atual Ialorixá do Gantois, Mãe Carmen de Oxaguian, que é neta de mãe Menininha. 
Cheia de 'filhos'
Talvez por isso ela tenha sido adotada como mãe por tanta gente. O atual coordenador de Recursos Humanos das Osid, Raimundo José Araújo, 50 anos, é uma das pessoas que pode dizer que teve sua vida mudada pelas ações da religiosa. 
Os caminhos dos dois se cruzaram depois que Raimundo ficou órfão, em 1977, quando perdeu a mãe. Morou por pouco mais de um ano com as tias, que viviam um dilema: a irmã tinha pedido que, caso viesse a falecer, deixasse o filho com Irmã Dulce. 
“Não consigo entender o motivo até hoje. Já tentamos futucar, na família, porque ela pediu isso, mas ninguém sabe. Uma coisa que sei é que um dos motivos deve ser porque ela não queria que eu ficasse com meu padrasto, por conta de maus-tratos”. 
Em 20 de janeiro de 1979, chegou na obra e foi acolhido pela freira. Ela o levou para o orfanato que mantinha em Simões Filho, onde abrigava crianças carentes. Em alguns períodos, o lugar chegou a abrigar mais de 300 meninos ao mesmo tempo. 
Quando completou 18 anos, foi convidado por Irmã Dulce para trabalhar nas Osid. Começou como auxiliar de disciplina, passou por outros setores até se tornar o coordenador de RH da entidade. 
Raimundo foi acolhido no orfanato e trabalha até hoje nas Osid: 'Meu primeiro emprego há 32 anos' 
“Irmã Dulce fez justiça social na minha vida. Não sei se tudo que eu tive com ela eu teria com meus pais. Eu tive acesso a tudo: TV a cores, bicicleta, salão de jogos, escola de qualidade. A Irmã tinha uma preocupação muito grande com a questão do ofício. Sempre dizia: ‘meus filhos, estudem”, diz.
Ao longo da vida, Irmã Dulce reuniu muitos 'filhos'. Nem todos podem, porém, dizer a mesma coisa que dom Tommaso Cascianelli, hoje bispo da diocese de Irecê.  “Ela dizia que eu era o filho predileto”, revela, aos risos. 
Os dois se viram pela primeira vez em julho de 1980, seis meses depois que ele chegou ao Brasil. Debaixo de chuva, uma multidão enfrentava a lama no Centro Administrativo da Bahia (CAB) para ver o Papa João Paulo II, em sua primeira visita a Salvador. Irmã Dulce não era diferente. 
Chegou atrasada. Naquela época, respirar já era difícil. Nos últimos 30 anos de sua vida, a freira sofreu de bronquiectasia – uma doença que chegou a comprometer 75% de sua capacidade respiratória. Mesmo com dificuldades, bastou que Irmã Dulce aparecesse para chamar a atenção de Dom Tommaso, na época com 30 anos. 
“Quando ela entrou, a salva de palmas que ela recebeu foi três vezes maior do que a que o papa recebeu. Me lembro como se fosse aqui, agora. Eu disse: quero conhecer essa freira”, relata dom Tommaso. 
Nos anos seguintes, começou a encontrá-la na Igreja da Boa Viagem, onde acabou morando. No entanto, a amizade só ficou mais próxima mesmo em 1987, quando Dulce o convidou para coordenar um grupo criado por ela. Chamado de Filhas de Maria, Servas dos Pobres, era um grupo fundado com o objetivo de dar continuidade ao trabalho dela no Hospital Santo Antônio. 
“Eu disse que tinha muitos padres na cidade que eram melhores, com conhecimento maior. Ela disse: ‘não, meu irmão. Você tem que assumir’. Assumi e, devido a essa essa alegria semanal, aumentou ainda mais esse amor por essa extraordinária religiosa”, lembra. 
Aos poucos, começaram a desenvolver uma relação de consultoria espiritual. Um desabafava com o outro. Irmã Dulce contava dos problemas na obra, mas nunca de forma negativa. Dizia que continuava encontrando forças – primeiro na Eucaristia; depois, no amor de Nossa Senhora. 
Despedida
Na hora da morte, dom Tommaso foi um dos que esteve ao seu lado. Às 14h30 do dia 13 de março de 1992, os médicos que a acompanhavam pediram que todos deixassem o quarto onde ela estava. O padre seguiu, assim, para a capela. Rezava o terço sem parar. De repente, por volta das 16h40, sentiu um vento frio tocando suas costas. 
Olhou para os lados para saber de onde vinha. A porta da capela estava fechada, mas a janela do quartinho onde estava Irmã Dulce dava diretamente para a capela. Foi a deixa para que dom Tommaso se levantasse e voltasse ao quarto. Lá, abriram espaço para que ele se aproximasse. O padre segurou uma das mãos da religiosa. 
Naquele momento, o monitor ainda registrava os batimentos cardíacos. Menos de um minuto depois, às 16h45, tinha parado. O coração de Irmã Dulce deixou de bater.
“Para mim, o vento frio foi a voz dela. Me chamou para estar perto dela na hora da morte. Logo depois que ela faleceu, eu pensei: agora, vamos fazer o contrário, irmã. Quando chegar o meu momento, quero a senhora perto de mim”, conta. 
Nos anos seguintes, dom Tommaso continuou acompanhando Irmã Dulce. Logo no início dos anos 2000, quando começou o processo da canonização, deu um depoimento de seis horas em Salvador. Anos depois, em 2011, leu a biografia resumida da freira, na cerimônia de beatificação dela, diante de 70 mil pessoas, no Parque de Exposições de Salvador. 
'Minha santa'
A própria canonização nasceu mais de uma vontade do povo do que das Osid. Em vida, a religiosa nunca quis a imagem de santa – ainda que muita gente se referisse assim a ela desde aquela época. 
Quando José Sarney era presidente, vez ou outra aparecia para visitá-la, em seus últimos anos de vida. Sempre de surpresa. Com Dulce já acamada, devido à saúde debilitada, era comum que a freira não percebesse a visita presidencial. Sarney não deixava que a acordassem. 
“Ele beijava os pés dela e falava: ‘quero ver minha santa’. Já a considerava uma santa em vida”, lembra Maria Rita Pontes, superintendente das Osid. 
Em 1997, Roberto Carlos fazia um show em Salvador quando indagou. “Minha santa. Como é que a Bahia não reconhece isso?”. O cantor e a religiosa tiveram uma relação próxima. Sempre que ele vinha aqui, Irmã Dulce ia encontrá-lo. Os dois tomavam um chá de cidreira ou erva doce e, ao fim de cada reunião, Roberto Carlos colocava um envelope com dinheiro em seu bolso. 
Quem só conheceu Irmã Dulce após a sua morte não deixa de admirá-la. É o caso da técnica administrativa Cláudia Cristina dos Santos, 51 anos, moradora de Malhador (SE). O nome de Cláudia correu o mundo em 2011 - foi graças à situação vivida por ela, considerada a primeira miraculada (pessoa alvo de um milagre), que Irmã Dulce foi beatificada. 
Em 2001, após dar a luz ao segundo filho, ela teve uma hemorragia durante 18 horas. Os médicos já tinham perdido as esperanças quando o padre José Almí decidiu fazer uma corrente de oração pedindo a intercessão de Irmã Dulce. Ele deu a Cláudia uma pequena relíquia da freira. A hemorragia parou imediatamente. 
"Eu vi que ela é uma pessoa humilde, que gostava de ajudar as pessoas que não tinham condição. A vida dela realmente foi muito bonita", diz Cláudia, que pretende acompanhar a cerimônia da canonização, no Vaticano. 
Entre os que foram ajudados diretamente por Irmã Dulce esteve o escritor Paulo Coelho. O episódio é narrado no livro O Mago, biografia de Coelho, escrito pelo jornalista Fernando Morais. 
Em 1967, os pais de Paulo Coelho, à época com 19 anos, internaram o filho em um hospital psiquiátrico. “Eu era um rebelde que não obedecia a ninguém”, relembra o escritor. Depois de dois meses, fugiu com a roupa do corpo e, de carona em carona, terminou em Salvador - sem dinheiro, sem ter o que comer, dormindo na rua. Foi aí que encontrou Irmã Dulce, que o “ajudou a levantar”. 
Segundo Paulo, depois de receber uma porção de sopa nas Obras Sociais Irmã Dulce, ele pediu para Irmã Dulce dinheiro para comprar duas passagens de ônibus para o Rio de Janeiro. 
A freira baiana escreveu um bilhete com o pedido, que ele trocou no guichê da rodoviária pelas duas passagens e enfim tomou o rumo de casa. Dizia o bilhete com o carimbo das Obras Sociais e assinado por Dulce, em 21 de julho de 1967: “Estes 2 rapazes pedem um transporte grátis até o Rio”.




Os raros momentos de descanso aconteciam nas tardes de domingo. Era nesses dias que, ainda noviça, Irmã Dulce carregava o rádio de pilha e rumava para as areias da praia da Penha. Mas depois da década de 1960, com o crescimento da obra social, isso foi ficando cada vez mais difícil. 
Mesmo assim, os domingos eram especiais. Na televisão, via Os Trapalhões. No rádio, ouvia, repetidas vezes, a canção Jovens Tardes de Domingo, de Roberto Carlos. Como na música, dizia sentir saudades dos velhos tempos – dos domingos de diversão na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, em São Cristóvão (SE), ao lado da boneca Celica, que ganhou da avó aos 4 anos. Dulce se via na música. 
Para quem não conhecia a intimidade da freira, talvez seja difícil imaginar essa cena. Mas, de fato, a mulher que ria com Renato Aragão era a mesma que deu início a um dos maiores hospitais filantrópicos do Brasil usando um galinheiro do convento onde vivia. 
A freira que amava quiabada e se escondia atrás da porta para não ser vista comendo bolinho de estudante (acreditava estar cometendo o pecado da gula) era a mesma que – como narram os mais antigos – foi mais ovacionada que o Papa João Paulo II, em sua primeira visita à Bahia. A religiosa que chegou a ser evitada por pequenos empresários de tanto que pedia doações para as obras era também aquela que tinha o telefone direto do então presidente José Sarney. Chamava o número exclusivo do político de “telefone vermelho”. 
Vaticano anunciou, na terça-feira (14), que Irmã Dulce será oficialmente proclamada santa. Só que, bem antes de passar por todo o processo de canonização, Irmã Dulce foi uma mulher – soteropolitana, nascida na Rua São José de Baixo, no Barbalho, no meio de uma família rica, filha de um cirurgião-dentista, neta de um político advogado. 
Só que, ao contrário do que os estereótipos podiam prever, ela deixou tudo para viver uma vida dedicada a outras pessoas. Não queria que existissem sofredores. E, ao mesmo tempo, não tinha um único momento em que não se colocasse no lugar de quem sofria. 
“É o que a gente chama de empatia, e que, hoje, a gente vê cada vez menos no ser humano. É fácil falar ‘ah, estou com pena’. Mas você sentir a dor pelo outro é uma das maiores lições dela, na minha opinião”, diz a superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), Maria Rita Lopes Pontes. 
Sobrinha de Irmã Dulce e nomeada com o nome de batismo da tia, Maria Rita foi escolhida pela religiosa como sua sucessora. A decisão veio como praticamente tudo na vida de Dulce: no início, Maria Rita relutava, mas a Irmã não aceitava não de ninguém. Insistia, pedia de novo e de novo, até ser atendida. 
Não aceitava não
Podia ser quem fosse. Dos pequenos empresários da Cidade Baixa, a quem diariamente pedia doações para as obras, aos presidentes da República, ela não se fazia de rogada. Em 1947, o presidente Eurico Gaspar Dutra visitava o Bonfim quando deparou com Irmã Dulce, acompanhada por uma barreira de meninos, se colocou na frente de sua comitiva. O presidente mandou parar o carro para ouvir um pedido sem rodeios. 
“Meu avôzinho, preciso de oito milhões de cruzeiros para terminar o meu trabalho”, disse, referindo-se às obras do Círculo Operário, inaugurado no ano seguinte.
Resultado? Gaspar Dutra autorizou a ajuda federal para a inauguração do círculo, que oferecia serviços médicos, dentários e de farmácia, além de cursos, à população mais carente de Salvador. 
Quem conviveu com Irmã Dulce não tem dúvidas: ela não tinha constrangimento algum em pedir e aporrinhava até conseguir. A freira sabia que a obra social sobrevivia de doações. “Ela não tinha nenhuma inibição em pedir para as pessoas. Era uma pedinte, realmente, porque não tinha nenhuma verba. Não tinha nada”, lembra o presidente do Conselho de Administração das Osid e da Fundação Irmã Dulce, Ângelo Calmon de Sá. 
Escolhido por ela para presidir o conselho da Osid, o ex-ministro conviveu com a religiosa por 12 anos. Irmã Dulce tinha o costume de percorrer todo o hospital duas vezes por dia, para detectar eventuais problemas. Assim, as ligações dela para Calmon de Sá tinham um aspecto parecido. 
“Irmão, preciso que você me mande uma auditoria. Acho que tem algo errado no almoxarifado”, anunciava a irmã. Quando o presidente do conselho ia olhar a fundo, de fato, o problema existia. “Ela me dava agendas e ia me cobrar”, diz Calmon de Sá.
Em outros momentos, a situação se invertia. Era ele quem chegava para dizer que havia algum problema na obra. Em todas as vezes, a resposta era a mesma.
“Ela virava e dizia: ‘olha, a obra não é sua, nem minha. A obra é lá de cima. Pode deixar que ele (Deus) vai resolver o problema’. De alguma forma, resolvia mesmo”, completa Ângelo Calmon de Sá. 
 Antes da década de 1980, essa postura insistente não era bem vista entre todos – especialmente, entre pequenos empresários de Salvador. Por alguns anos, antes de ficar conhecida nacionalmente, Irmã Dulce não era unanimidade. Até então, era vista por muita gente como uma pessoa chata. 


“Ela era chamada de ‘pidona’, que pede demais”, explica o jornalista e documentarista Valber Carvalho, que deve lançar um livro sobre a história de Irmã Dulce no segundo semestre. Durante a pesquisa do livro, que já dura seis anos e inclui entrevistas de 513 pessoas, conseguiu entender uma situação que presenciou décadas antes. 
Lá pelos 10 ou 11 anos de idade, na década de 1970, Valber tinha ido acompanhar o pai no Banco do Estado da Bahia (Baneb). De repente, começou a ver pessoas correndo, fechando portas. “Diga que não estou, diga que não estou”, era a frase que ouvia alguns funcionários do banco dizendo a outros. 
“Eu pensei: quem é que vem aí que deve ser tão ruim? Quando vi, era Irmã Dulce. Nunca consegui entender aquela cena até que, fazendo o livro, alguém me disse”,conta.
Na pesquisa, encontrou uma situação que foi marcante: Irmã Dulce entrara em uma loja de móveis e eletrodomésticos, mas foi avisada pelos vendedores que o dono não estava. 
Só que a religiosa não acreditou. Parecia mentira. Andou pela loja até que encontrou o proprietário: estava escondido embaixo da mesa. 
Simplicidade
Irmã Dulce nunca usava perfume. Não gostava de nada que atraísse atenção para si. Ainda assim, há quem diga que ela tinha um cheiro próprio: algo que lembrava jasmim, talvez lavanda. “Ela tinha o cheiro do amor, se amor tiver cheiro. Era uma coisa da pele. Era um cheiro que a gente sentia dela, que era só dela”, lembra a superintendente das Osid, Maria Rita Pontes. 
Sempre foi assim. Não escolhia tipo de sabonete, marca de pasta de dente. Mesmo as comidas preferidas vinham em um prato do tamanho de um pires. Era nas menores quantidades. A Coca-Cola, que ela tanto gostava, não era bebida em copo: usava uma colherinha, até para controlar a saúde.
Desde criança, escolhia a simplicidade.
“Para ela, nada. Para os pobres, tudo”, explica o assessor de memória e cultura das Osid, Osvaldo Gouveia.
Há 26 anos à frente do Memorial que homenageia a freira, o museólogo participou ativamente das etapas do processo de canonização. 
O museólogo Osvaldo Gouveia coordena o Memorial Irmã Dulce há 26 anos
Parte dessa atitude de Dulce vinha da própria família. Os Lopes Pontes vinham de uma longa tradição filantrópica. O avô dela, o advogado e político Manoel Lopes Pontes, ficou conhecido por ter comandado a construção do Monumento ao Dois de Julho. O que nem todo mundo sabe é que ele criou a Escola Santo Antônio, destinada a crianças carentes. 
O pai da religiosa, o cirurgião-dentista Augusto Lopes Pontes, usava um carro – uma espécie de jipe adaptado – para atender crianças e idosos que não tinham condições de pagar por uma consulta dentária, na periferia de Salvador. 
“A tradição familiar é muito forte, mas tem uma dimensão espiritual que eu não consigo alcançar. Com 12 anos, ela já transformou a casa em um abrigo para idosos e adolescentes. Começou a quebrar paradigmas quando criança”, diz Gouveia. 
Ao mesmo tempo, era uma menina que gostava de empinar arraia, jogar futebol – os relatos são de que era uma excelente centroavante – e tocar acordeão e também começava a se desenvolver como uma multiprofissional. “Ela poderia ser uma grande atleta, música, assistente social, psicóloga. Ela foi multi”, completa o assessor de memória e cultura. Mesmo assim, poucas coisas são tão associadas a Irmã Dulce quanto sua empatia. “Teve doação, paixão, mas, acima de tudo, empatia. Se teve uma pessoa que teve empatia, no mundo inteiro, foi Irmã Dulce”, define. 
Paz e respeito
De novelas, não gostava. No fim de 1988, o Brasil inteiro falava sobre a novela Vale Tudo, da TV Globo. Um mistério pautava conversas e reportagens: quem teria matado Odete Roitman, a personagem interpretada por Beatriz Segall? Naquela época, um jornalista perguntou a Irmã Dulce quem ela achava que tinha matado a grande vilã do folhetim. 
“Olhe, meu filho, eu não sei quem matou, não, mas quem matou deve pagar por esse assassinato”, respondeu a religiosa, para surpresa do repórter. O jornalista indagou, então, se ela acompanhava a novela. “Que novela?”, respondeu Dulce. 
Naquela época, a freira já ficava muito assustada com os casos de violência que eram divulgados nos jornais.
"Fico imaginando Irmã Dulce vendo tantos casos de feminicídio, de filhos matando os pais, tanta coisa nesse mundo de horror. Ela ficaria muito triste com essa situação”, analisa Maria Rita Pontes, a sobrinha e superintendente das Osid. 
Em tempos de tantos casos de intolerância religiosa, Irmã Dulce também ficou conhecida por passar uma mensagem de respeito a outras religiões. A freira teve uma amizade muito próxima com o médium Divaldo Franco, um dos maiores líderes espíritas do Brasil. Desde 1991, inclusive, há pelo menos um centro espírita que leva o nome da religiosa – o Centro Espírita Irmã Dulce, que funciona em Goiânia. 
A amizade com a ialorixá Mãe Menininha do Gantois também é conhecida. As duas costumavam se falar por telefone e ajudar uma à outra.  
“É com ternura que lembramos que o Gantois, na figura de Mãe Menininha e dos filhos da casa, recebeu a visita de Irmã Dulce, uma pessoa que distribuía amor praticando caridade. A notícia de que ela está prestes a ser canonizada, sendo considerada uma santa pelos feitos praticados, nos enche de alegria e reverência por uma alma de tal elevação. A Bahia está em festa por ver santificada uma filha da terra que, com certeza, continuará a proteger e abençoar a todos os que a ela invocarem”, afirmou a atual Ialorixá do Gantois, Mãe Carmen de Oxaguian, que é neta de mãe Menininha. 
Cheia de 'filhos'
Talvez por isso ela tenha sido adotada como mãe por tanta gente. O atual coordenador de Recursos Humanos das Osid, Raimundo José Araújo, 50 anos, é uma das pessoas que pode dizer que teve sua vida mudada pelas ações da religiosa. 
Os caminhos dos dois se cruzaram depois que Raimundo ficou órfão, em 1977, quando perdeu a mãe. Morou por pouco mais de um ano com as tias, que viviam um dilema: a irmã tinha pedido que, caso viesse a falecer, deixasse o filho com Irmã Dulce. 
“Não consigo entender o motivo até hoje. Já tentamos futucar, na família, porque ela pediu isso, mas ninguém sabe. Uma coisa que sei é que um dos motivos deve ser porque ela não queria que eu ficasse com meu padrasto, por conta de maus-tratos”. 
Em 20 de janeiro de 1979, chegou na obra e foi acolhido pela freira. Ela o levou para o orfanato que mantinha em Simões Filho, onde abrigava crianças carentes. Em alguns períodos, o lugar chegou a abrigar mais de 300 meninos ao mesmo tempo. 
Quando completou 18 anos, foi convidado por Irmã Dulce para trabalhar nas Osid. Começou como auxiliar de disciplina, passou por outros setores até se tornar o coordenador de RH da entidade. 
Raimundo foi acolhido no orfanato e trabalha até hoje nas Osid: 'Meu primeiro emprego há 32 anos' 
“Irmã Dulce fez justiça social na minha vida. Não sei se tudo que eu tive com ela eu teria com meus pais. Eu tive acesso a tudo: TV a cores, bicicleta, salão de jogos, escola de qualidade. A Irmã tinha uma preocupação muito grande com a questão do ofício. Sempre dizia: ‘meus filhos, estudem”, diz.
Ao longo da vida, Irmã Dulce reuniu muitos 'filhos'. Nem todos podem, porém, dizer a mesma coisa que dom Tommaso Cascianelli, hoje bispo da diocese de Irecê.  “Ela dizia que eu era o filho predileto”, revela, aos risos. 
Os dois se viram pela primeira vez em julho de 1980, seis meses depois que ele chegou ao Brasil. Debaixo de chuva, uma multidão enfrentava a lama no Centro Administrativo da Bahia (CAB) para ver o Papa João Paulo II, em sua primeira visita a Salvador. Irmã Dulce não era diferente. 
Chegou atrasada. Naquela época, respirar já era difícil. Nos últimos 30 anos de sua vida, a freira sofreu de bronquiectasia – uma doença que chegou a comprometer 75% de sua capacidade respiratória. Mesmo com dificuldades, bastou que Irmã Dulce aparecesse para chamar a atenção de Dom Tommaso, na época com 30 anos. 
“Quando ela entrou, a salva de palmas que ela recebeu foi três vezes maior do que a que o papa recebeu. Me lembro como se fosse aqui, agora. Eu disse: quero conhecer essa freira”, relata dom Tommaso. 
Nos anos seguintes, começou a encontrá-la na Igreja da Boa Viagem, onde acabou morando. No entanto, a amizade só ficou mais próxima mesmo em 1987, quando Dulce o convidou para coordenar um grupo criado por ela. Chamado de Filhas de Maria, Servas dos Pobres, era um grupo fundado com o objetivo de dar continuidade ao trabalho dela no Hospital Santo Antônio. 
“Eu disse que tinha muitos padres na cidade que eram melhores, com conhecimento maior. Ela disse: ‘não, meu irmão. Você tem que assumir’. Assumi e, devido a essa essa alegria semanal, aumentou ainda mais esse amor por essa extraordinária religiosa”, lembra. 
Aos poucos, começaram a desenvolver uma relação de consultoria espiritual. Um desabafava com o outro. Irmã Dulce contava dos problemas na obra, mas nunca de forma negativa. Dizia que continuava encontrando forças – primeiro na Eucaristia; depois, no amor de Nossa Senhora. 
Despedida
Na hora da morte, dom Tommaso foi um dos que esteve ao seu lado. Às 14h30 do dia 13 de março de 1992, os médicos que a acompanhavam pediram que todos deixassem o quarto onde ela estava. O padre seguiu, assim, para a capela. Rezava o terço sem parar. De repente, por volta das 16h40, sentiu um vento frio tocando suas costas. 
Olhou para os lados para saber de onde vinha. A porta da capela estava fechada, mas a janela do quartinho onde estava Irmã Dulce dava diretamente para a capela. Foi a deixa para que dom Tommaso se levantasse e voltasse ao quarto. Lá, abriram espaço para que ele se aproximasse. O padre segurou uma das mãos da religiosa. 
Naquele momento, o monitor ainda registrava os batimentos cardíacos. Menos de um minuto depois, às 16h45, tinha parado. O coração de Irmã Dulce deixou de bater.
“Para mim, o vento frio foi a voz dela. Me chamou para estar perto dela na hora da morte. Logo depois que ela faleceu, eu pensei: agora, vamos fazer o contrário, irmã. Quando chegar o meu momento, quero a senhora perto de mim”, conta. 
Nos anos seguintes, dom Tommaso continuou acompanhando Irmã Dulce. Logo no início dos anos 2000, quando começou o processo da canonização, deu um depoimento de seis horas em Salvador. Anos depois, em 2011, leu a biografia resumida da freira, na cerimônia de beatificação dela, diante de 70 mil pessoas, no Parque de Exposições de Salvador. 
'Minha santa'
A própria canonização nasceu mais de uma vontade do povo do que das Osid. Em vida, a religiosa nunca quis a imagem de santa – ainda que muita gente se referisse assim a ela desde aquela época. 
Quando José Sarney era presidente, vez ou outra aparecia para visitá-la, em seus últimos anos de vida. Sempre de surpresa. Com Dulce já acamada, devido à saúde debilitada, era comum que a freira não percebesse a visita presidencial. Sarney não deixava que a acordassem. 
“Ele beijava os pés dela e falava: ‘quero ver minha santa’. Já a considerava uma santa em vida”, lembra Maria Rita Pontes, superintendente das Osid. 
Em 1997, Roberto Carlos fazia um show em Salvador quando indagou. “Minha santa. Como é que a Bahia não reconhece isso?”. O cantor e a religiosa tiveram uma relação próxima. Sempre que ele vinha aqui, Irmã Dulce ia encontrá-lo. Os dois tomavam um chá de cidreira ou erva doce e, ao fim de cada reunião, Roberto Carlos colocava um envelope com dinheiro em seu bolso. 
Quem só conheceu Irmã Dulce após a sua morte não deixa de admirá-la. É o caso da técnica administrativa Cláudia Cristina dos Santos, 51 anos, moradora de Malhador (SE). O nome de Cláudia correu o mundo em 2011 - foi graças à situação vivida por ela, considerada a primeira miraculada (pessoa alvo de um milagre), que Irmã Dulce foi beatificada. 
Em 2001, após dar a luz ao segundo filho, ela teve uma hemorragia durante 18 horas. Os médicos já tinham perdido as esperanças quando o padre José Almí decidiu fazer uma corrente de oração pedindo a intercessão de Irmã Dulce. Ele deu a Cláudia uma pequena relíquia da freira. A hemorragia parou imediatamente. 
"Eu vi que ela é uma pessoa humilde, que gostava de ajudar as pessoas que não tinham condição. A vida dela realmente foi muito bonita", diz Cláudia, que pretende acompanhar a cerimônia da canonização, no Vaticano. 
Entre os que foram ajudados diretamente por Irmã Dulce esteve o escritor Paulo Coelho. O episódio é narrado no livro O Mago, biografia de Coelho, escrito pelo jornalista Fernando Morais. 
Em 1967, os pais de Paulo Coelho, à época com 19 anos, internaram o filho em um hospital psiquiátrico. “Eu era um rebelde que não obedecia a ninguém”, relembra o escritor. Depois de dois meses, fugiu com a roupa do corpo e, de carona em carona, terminou em Salvador - sem dinheiro, sem ter o que comer, dormindo na rua. Foi aí que encontrou Irmã Dulce, que o “ajudou a levantar”. 
Segundo Paulo, depois de receber uma porção de sopa nas Obras Sociais Irmã Dulce, ele pediu para Irmã Dulce dinheiro para comprar duas passagens de ônibus para o Rio de Janeiro. 
A freira baiana escreveu um bilhete com o pedido, que ele trocou no guichê da rodoviária pelas duas passagens e enfim tomou o rumo de casa. Dizia o bilhete com o carimbo das Obras Sociais e assinado por Dulce, em 21 de julho de 1967: “Estes 2 rapazes pedem um transporte grátis até o Rio”.




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